Cabinda: mais um crime “esquecido” do 25 de Abril
Anualmente, nesta altura do ano, sucedem-se, da parte das instâncias oficiais e não só, os elogios à revolução de Abril e aos seus resultados. Se por um lado, a nível interno, esses resultados são hoje evidentes em termos do descalabro em que a classe política que tomou conta do País após a dita revolução nos deixou, por outro pouco ou nada se fala de outros lamentáveis legados, a nível externo, da referida revolução.
Com efeito, na cegueira de entregar rapidamente todas as nossas ex-províncias ultramarinas a determinadas facções de guerrilheiros sem sequer assegurar com seriedade a realização de eleições livres nesses novos países, os governantes portugueses de então abriram as portas à instauração de ditaduras e/ou a verdadeiros genocídios. O caso de Angola (país rico, mas onde a população vive numa miséria nunca antes vista, enquanto os senhores do MPLA se pavoneiam em grandes carros e iates) é paradigmático.
Mas o facto de o MPLA não querer governar Angola e querer apenas governar-se a si próprio, é um problema interno angolano. Já o caso de Cabinda, em que praticamente ninguém fala, é outra história.
Cabinda tem sido tema tabu em Portugal, não só devido à forte influência de investidores angolanos na nossa comunicação social, mas também fruto do interesse de partidos como o PS, o PCP e, em menor escala, o PSD em ocultar as suas culpas passadas nesta questão.
Explicando a situação aos menos informados, Cabinda é uma região que forma um enclave no território do Congo e que se encontra, neste momento, ocupada militarmente pelas forças armadas angolanas. Os seus habitantes nada têm a ver etnicamente com os angolanos e nunca quiseram a sua integração em Angola, mas vêem-se obrigados a “pertencer” a este país e a ver a sua população na miséria, enquanto Luanda explora as assinaláveis riquezas do território (sobretudo, o petróleo) apenas em benefício próprio. Recentemente, algumas medidas de cosmética levadas a cabo pelo governo do MPLA (obras de fachada e integração de ex-guerrilheiros independentistas cabindas no exército angolano) escondem mal aquilo que se passa: Angola ocupa Cabinda contra a vontade da sua população.
A origem desta situação remonta a 1 de Fevereiro de 1885, quando foi assinado o Tratado de Simulambuco, estabelecendo Cabinda como protectorado português (situação diferente da de Angola, que tinha então o estatuto de colónia). Contudo, em 1920 Portugal viria a integrar Cabinda na sua província de Angola, ainda que os cabindas não se considerassem angolanos. Durante a Guerra do Ultramar (1961-1974), os cabindas formaram sobretudo milícias próprias para lutar pela sua independência, embora outros tenham integrado as chamadas Tropas Especiais lutando ao lado dos portugueses contra a guerrilha angolana (MPLA). Na sequência da revolução de Abril de 1974, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) constituiu um governo provisório encabeçado por Tiago Henriques, que proclamou a independência de Cabinda de Portugal, em 1 de Agosto de 1975. Naturalmente, os cabindas consideravam que a sua integração na província de Angola tinha sido uma contingência e que o tratado celebrado com Portugal em 1885 ainda estava em vigor, pois Portugal nunca o denunciara. Tal entendimento não tiveram o Dr. Mário Soares, o Conselho da Revolução e todos aqueles que, em Lisboa, estavam interessados na negociata da entrega do poder aos comunistas do MPLA (como mais tarde viria a tornar-se evidente, os “Acordos de Alvor”, que visavam um entendimento entre as diferentes facções independentistas angolanas, nunca passaram de fogo de vista, e de resto a FLEC nem foi convidada para as conversações – o que atesta, uma vez mais, que Cabinda era um caso à parte e que nem o MPLA nem nenhuma outra facção independentista angolana tinham legitimidade para reclamar soberania sobre o dito enclave).
Entre Novembro de 1975 e 4 de Janeiro de 1976, foi reforçada a presença de soldados do MPLA no enclave de Cabinda, apoiados por tropas cubanas. O MPLA ganhou rapidamente o controlo das áreas urbanas, enquanto a FLEC, traída pelos malfeitores que se tinham apoderado de Portugal mas decidida a lutar pela independência do seu território, controlava o campo.
Na década de 1980, já em plena guerra civil angolana, a FLEC (que ao longo da sua História foi sendo assolada por várias cisões) recebeu ajuda da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que se opôs ao governo do MPLA com o apoio da África do Sul.
A partir de 2000, alguns trabalhadores portugueses em Cabinda foram raptados por uma facção da FLEC (FLEC-Renovada), alegadamente numa tentativa de chamar a atenção para o que se passava naquele território. Esta situação indispôs a opinião pública portuguesa contra a causa de Cabinda, mas o que é certo é que aquelas acções são condenadas por todas as outras facções independentistas, que chegam a acusar os chefes militares que as organizaram de terem sido pagos por Luanda para esse efeito. Como prova, apresenta-se o facto de vários deles estarem, actualmente, nos quadros das Forças Armadas angolanas. Com efeito, pouco tempo depois, em Agosto de 2006, foi assinado um cessar-fogo entre a FLEC-Renovada e o Governo de Angola, cessar-fogo esse prontamente denunciado pelos outros independentistas de Cabinda (tanto de dentro como de fora do território) como uma farsa. Não é pois de estranhar que, no dia 4 de Fevereiro de 2011, a República de Cabinda tenha sido novamente proclamada em Bruxelas, por um grupo encabeçado pelo Professor Afonso Massanga (eleito Presidente) e o seu governo no exilio (GRKE).
Os cabindas continuam a querer a sua independência, embora até que a mesma lhes seja dada, muitos se considerem portugueses (e não angolanos) à luz do direito internacional pois, como já aqui foi referido, o Tratado de Simulambuco nunca foi formalmente anulado, quer por Portugal, quer pelos representantes do povo cabinda.
Entretanto, em Janeiro de 2010, o nome dos independentistas cabindas voltou a ser associado a uma situação que chocou a opinião pública internacional, quando um ataque ao autocarro da selecção de futebol do Togo por parte de um dos ramos da FLEC provocou vítimas. Uma vez mais, os actuais líderes cabindas no exílio demarcam-se desta acção, que dizem poder provar que foi orquestrada por Luanda – e que, de resto, nada serviu os interesses da causa de Cabinda.
É pois o povo de Cabinda que sofre da guerra que lhe é imposta pelo exército angolano, o qual continua a contar com o apoio dos sucessivos governos portugueses. É o povo de Cabinda que sofre da injustiça de todas as formas, da violência de toda a natureza, da intimidação, da subjugação e das torturas, prisões, violações ou execuções sumárias (como tem acontecido frequentemente com os cabindas que se refugiaram no Congo Brazzaville e na República Democrática do Congo, cujos governantes parecem por vezes estar conluiados com Luanda). Neste caso, a definição de “terrorista”, tantas vezes aplicada às diferentes facções da FLEC pela imprensa portuguesa e não só, cabe ao MPLA e não aos independentistas cabindas. O MPLA, partido originariamente comunista e defensor de um modelo ditatorial e expansionista está há 40 anos no poder em Angola, tem saqueado as riquezas naturais de Cabinda e esmagado o seu povo com a intimidação, a violência e a pobreza. Isso sim, é terrorismo, tal como o são as pressões que Luanda exerce para que as várias dezenas de milhares de refugiados nos dois Congos sejam repatriadas.
E que faz Portugal quanto a este verdadeiro crime? Nem uma palavra! Trata-se de uma “obra” de Abril e da “descolonização exemplar” que Mário Soares afirma ter feito. Como tal, não convém mexer-lhe, para que a verdade não se saiba. Mesmo Durão Barroso, que durante muito tempo dirigiu a Comissão Europeia, nunca disse uma palavra sobre a questão de Cabinda. Não surpreende pois que muitos cabindas já não saibam sequer falar português e que a francofonia ganhe terreno no território, pois com a sua grande influência regional e internacional acabou por impor-se e substituir, por razões estratégicas, tudo o que tenha a ver com um Portugal que é visto pelos cabindas como um aliado dos interesses angolanos. De resto, em países como França e Suíça têm surgido apoios para a causa de Cabinda. Mas Portugal, actualmente, reduz este caso a zero. Assim se justifica que quase todos os comunicados e outros dossiês da FLEC sejam escritos em francês. Porque mesmo até entre as elites dirigentes cabindenses já existe quem não saiba escrever e falar o português sem misturá-lo com o francês. É a triste realidade (que os cabindas não desejavam) e é assim que vemos uma parte da nossa História e do nosso legado em África desaparecer.
O PNR solidariza-se com a justa luta dos cabindas pela sua autodeterminação, e denuncia a triste situação que a população de Cabinda tem vivido ao longo dos últimos 40 anos como mais um dos crimes do 25 de Abril.
Envolver-se!
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