Proposta para nova Lei da Televisão: ERC ou PREC?
Por Augusto Silva
Merceeiro e membro de uma organização da qual não quis dizer o nome.
O PNR convidou-me, através da sua Comissão Política, a comentar a proposta do governo para a nova Lei de Televisão, convite ao qual acedi, apesar de não ser um consumidor de televisão. Sou, no entanto, um daqueles que em Abril de 74 gritou “liberdade” mas que, rapidamente, se apercebeu dos contornos da tal “liberdade” que era, dia após dia, enviada para o caixote do lixo.
Foi isso que concluí na altura quando ouvi as declarações de lamento por não se ter fuzilado uns quantos no Campo Pequeno, era isso que me vinha à cabeça enquanto lia os editoriais de Saramago no DN, a propósito dos saneamentos, onde assumia claramente a censura oficial que tanto criticou no Estado Novo, foi todo o clima que se instalou, pela mão de apenas meia-dúzia, e que tanto criticavam no regime que, diziam, acabavam de depor. Resumindo, rapidamente me apercebi da (dura) realidade para a qual caminhava o nosso país; liberdade quase zero, censura quase total, anarquia quase plena, tudo devidamente pintado em tons de vermelho, que era a cor da anunciada salvação.
Foi um «reviver o passado» o pesadelo que vivi há dias quando tomei conhecimento da tal proposta de Lei de Televisão e subsequentes declarações do meu homónimo, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva. Até a sigla da instituição que vai ficar encarregue de colocar em prática essa tal Lei me fez tremer; ERC, lido e não soletrado, soa demasiado a PREC, oh pesadelo!
Diz Fialho Gouveia, na edição de 1 de Dezembro do Jornal SOL, que somos agora «um pouco mais livres» porque a nova Lei é «mais liberal do que a actual no que diz respeito a eventuais conteúdos pornográficos e violentos». Só que está enganado, o ilustre escriba comentador, porque «ser mais livre», ao contrário do que nos quer fazer crer, não é ver mais violência ou pornografia, mas sim ter o direito de poder escolher ver, ou não, tais conteúdos. E é em sentido contrário ao «ser mais livre» que esta proposta caminha, porque não aumenta a liberdade – de informação – mas limita-a, ainda por cima pela mão do governo.
Aliás, o comentário de Fialho Gouveia parece evitar – talvez propositadamente, quem sabe – a verdadeira essência da nova proposta, esquivando-se a comentar aquilo que está realmente em causa, até porque o próprio Ministro referiu em entrevista qual o objectivo principal dessa nova Lei, que nada tem a ver com violência ou pornografia ou qualidade de conteúdos, aliás como o próprio Fialho Gouveia referiu. O objectivo declarado, anunciado pelo próprio Ministro, é o de se pretender silenciar «os xenófobos», obrigando ainda que os jornalistas «se inibam de fazer comentários favoráveis às suas manifestações»!
Só que não ficou explícito, na proposta do Governo, qual é a definição de «conteúdo xenófobo» ou «difusão de programas que incitem ao ódio racial, religioso, político ou sexual». Será que condenar uma das partes no conflito do Médio Oriente se encaixa numa dessas definições? Será que fazer referências ao terrorismo islâmico é ódio religioso? Será dizer mal da Administração Bush e, por conseguinte, da política externa norte-americana e israelita, xenofobia? E opinar, negativamente, sobre as falsas promessas de Sócrates, será ódio político? Será ter uma opinião diferente do Governo no que respeita à imigração? É que, até neste capítulo, partidos como o PNR nem têm uma posição assim tão diferente dos partidos do Sistema, a maior parte dos quais defendem uma determinada quota para a entrada de imigrantes, sendo que os tais «xenófobos» apenas defendem uma quota… diferente.
Ficam portanto por definir claramente quais os critérios que consideram uma manifestação como xenófoba e que momento ou condições devem «inibir um jornalista de fazer comentários favoráveis» a esse tipo de manifestações, sabendo-se no entanto que quem vai aplicar esses critérios de forma “ad-hoc” é a tal ERC, nomeada pelo poder político, e não um Tribunal ou Juiz.
Mais do que proibir, efectivamente, que se falem nessas «manifestações xenófobas», parece-me claro que isto se trata sim de uma ameaça, um sério aviso aos jornalistas que ousarem comentar livremente assuntos que o poder político considera «xenófobos», e portanto reprováveis, e mais do que isso deixar bem claro que o Governo, através da ERC, quer ter palavra activa não no capítulo da qualidade – porque não foi ao «Big Brother» ou ao «Esquadrão G» que o Ministro se referiu – mas na selecção da informação e respectivos comentários que são disponibilizados ao cidadão.
Claro que, se confrontados com esta realidade, ou com as palavras do Ministro a propósito, também se obterá em resposta as minúsculas alíneas da tal proposta que «não referem nenhuma censura» – tal e qual fizeram a propósito da promessa de não haver portagens SCUT, quais vendedores de «time-sharing» ou mediadores de seguros, «porque isso estava bem explícito no programa do governo» – pois, claro…
Já era assim com a propaganda do Governo na televisão pública mas, com esta Proposta de Lei, consegue-se estender o tentáculo às restantes televisões. Do mal o menos, e essa ameaçadora influência restringe-se “apenas e só” às televisões – como se isso fosse pouco! – senão imagine-se o dilema de Pacheco Pereira ou Nicolau Santos quando, numa próxima ocasião, quiserem comentar “um arrastão”, daqueles que não existem, ainda por cima com provas e factos como fez o jornalista do Expresso. Será tal atrevimento, depois de aprovada esta proposta, odioso racismo ou simples xenofobia?! Talvez as duas, dirá a ERC…
Resumindo, na minha opinião esta proposta trata-se de uma inadmissível ingerência política, desprovida da mais elementar justiça, na forma como os jornalistas podem, ou devem, tratar estes assuntos. E tal trata-se, na minha opinão – se é que (ainda) a posso dar – não só de um sério aviso e um retrocesso na liberdade de informar mas também, como disse Serra Lopes na mesma edição do SOL, «uma disposição sem consequências práticas» – além da tal ameaça, acrescento eu – que «só serve para revoltar os mais liberais e dar uma grande alegria aos salazaristas». Nem isso, Dr. Serra Lopes, nem isso… Deveria, isso sim, revoltar todos nós, todos os portugueses a quem este pesadelo faz lembrar o filme de terror que foi o PREC, e que não desejam, sob nenhum aspecto, retroceder novamente para algo semelhante a esse período conturbado – para ser simpático com as criaturas da altura.
Como disse o Prof. Soares Martinez, mais do que um direito temos – todos nós – o dever da revolta!
Envolver-se!
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